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Anatel quer fazer lacre virtual de caixinhas piratas de IPTV

Medida em estudo junto a empresas, lacre virtual daria acesso para a agência realizar bloqueio rápido dos IPs das caixinhas sem homologação ou certificação, explica o conselheiro Artur Coimbra


Quase duas décadas de setor público. Artur Coimbra, conselheiro da Anatel, chegou à Anatel em 2007 como servidor, depois foi da procuradoria federal junto à agência como funcionário da AGU, passou pelos governos Lula, Dilma, Temer, Bolsonaro, e no dia 5 de novembro encerra seu mandato como conselheiro da agência reguladora.

Nesse tempo todo, testemunhou e participou da definição de políticas públicas que contribuíram para moldar as telecomunicações no Brasil, principalmente o acesso à banda larga. Como diretor para a questão no Ministério das Comunicações entre 2010 e 2011, esteve por trás do PNBL, o Programa Nacional de Banda Larga. À época, o país não tinha internet tão disseminada como hoje. Agora, o momento é outro, avalia. Não há mais forte carência de infraestrutura, e as políticas públicas precisam olhar mais para o letramento digital.

Outro debate que não havia em 2010 e hoje está no auge é o papel expandido da Anatel. A agência vem ganhando proeminência em seu poder de polícia para coordenar a derrubada de sites a partir de ordem judicial ou, no caso das Bets, após solicitação do Ministério da Fazenda. Mas também vem atuando forte no combate à pirataria audiovisual, bloqueando endereços IPs utilizados por set top boxes de IPTV clandestina.

Coimbra, que foi o patrono dessa questão na Anatel no último ano, conta que esse trabalho de combate à pirataria só vai se intensificar. Utilizando automação, a agência vai agilizar o envio de ordens às operadoras.

O passo seguinte será acessar os roteadores core de rede para bloquear diretamente produtos não homologados. “Seria uma espécie de lacre virtual”, exemplifica Coimbra. Mas ele diz que não há prazo para o mecanismo ser ativado – e que se os testes forem bem sucedidos, a intenção é que tenha adesão facultativa pelas empresas.

Leia na entrevista abaixo mais detalhes dessa questão e da visão de Coimbra sobre o futuro da autarquia.

Em novembro termina seu mandato na Anatel. Já tem algum convite para ir para o setor privado?

Artur Coimbra, conselheiro diretor da Anatel – Não tenho nada fechado. Eu termino o meu mandato e volto a ser procurador federal na Advocacia Geral da União, retorno para carreira de servidor imediatamente. Tenho a intenção de tirar uma licença, e tem um prazo de seis meses de quarentena se for atuar no setor. Mas não tem nada fechado. Vou realmente me dedicar mais a essa busca depois que deixar o cargo.

Você é servidor da AGU desde 2007, mas na prática, ficou pouco tempo por lá. Logo foi requisitado por outros órgãos e está há bastante tempo na área de telecom, né?

Coimbra – É, eu fiquei mais ou menos um ano na AGU, alguns meses na procuradoria da Anatel, assessorando a Ana Luísa, que era a procuradora geral na época. Depois, fui requisitado pela Presidência Pública para trabalhar com o Mangabeira Unger. Terminei essa jornada na Presidência  participando da continuação do Programa Nacional de Banda Larga, em 2009 e 2010. Em 2011, fui pra o Ministério das Comunicações.

Você participou da definição de políticas públicas de inclusão digital e conectividade do Brasil desde então. O que mudou de 2011 até 2024?

Coimbra – O Plano Nacional de Banda Larga tinha um diagnóstico, em 2010 e 2011, de que o mercado era muito concentrado. Havia pouca competição e pouco investimento de infraestrutura. Poucos municípios tinham banda larga. Os preços eram altos em muitos casos, com uma disparidade muito grande. No Leblon, o preço era baixo. Em Queimados, na periferia, a banda larga custava três vezes mais que a do Leblon.

Onde devia ser mais barato, pagava mais que o Leblon. Esse problema de desigualdade, de falta de infraestrutura, de falta de competição gerava um prato cheio para a política pública.

O diagnóstico que foi feito pelo Plano Nacional de Banda Larga foi amparado pela Anatel, levou a uma série de medidas para que esses problemas fossem superados. E o engraçado é que a medida adotada pelo Plano Executivo, pelo Ministério, foi parecida com a adotada pelo regulador: uma intervenção no atacado de telecomunicações.

A Telebras foi reativada para este fim?

Coimbra – Em nenhum momento se dispôs fazer com que a Telebrás fosse para o varejo. Já havia uma leitura em 2010 que os provedores regionais estavam dispostos a continuar investindo e expandindo em tecnologias como o rádio, não tinha fibra óptica ainda. Então, a Telebrás foi concebida para ser um atacadista de backbone, para viabilizar a implantação dessas redes de acesso por empresas privadas.

E a Anatel, ao mesmo tempo, em 2012, soltou o PGMC, que é muito parecido. A filosofia era a mesma de fazer uma segregação do mercado: regular  as empresas que são verticalizadas para permitir competição no varejo. Foram medidas diferentes com o mesmo objetivo que, de alguma forma, contribuíram para a ativação do serviço ao longo desse período.

Mas quando você estava no Ministério, havia diálogo com a Anatel neste sentido para a elaboração do PGMC?

Coimbra – Sim, o Programa Nacional de Banda Larga foi feito com a participação da Anatel. O programa tinha ações regulatórias que estavam a cargo da agência. Uma dessas ações era o PGMC. Tinha outras medidas, como o leilão da faixa de 3,5 GHz. A Anatel já tinha tentado leiloar duas vezes essa faixa, mas não houve sucesso por causa da interferência potencial em serviços de satélite. Agora foi, com a previsão de limpeza da faixa. Então, se você pegar o documento básico do PNBL, ele guiou o meu trabalho como diretor Banda Larga. E se não todas, 90% das ações previstas foram implantadas.

Depois veio o REPNBL, que focou o financiamento de grandes empresas. Qual o saldo dele?

Coimbra – O REPNBL veio para liberar dinheiro para a infraestrutura, num momento em que o governo federal adotou uma série de políticas parecidas para vários setores. Na época da Copa teve o Recopa, o Repnbl, um monte de regimes especiais. O Repnbl não estava previsto diretamente naquele formato do Programa Nacional do Banda Larga, nasceu circunstancialmente. E acho que foi parcialmente bem-sucedido, não tanto quanto a gente esperava. Acabou sendo uma política mais centralizada no governo federal.

Alguma dessas políticas de 2011 valeriam ser reprisadas no momento atual?

Coimbra – O contexto é completamente diferente e não tem mais como revisitar o que foi feito nessa época. Porque era um momento de boom. A partir dali teve uma explosão na internet no Brasil. As políticas que foram feitas naquela época já alcançaram seus objetivos. O Brasil está em outra situação. A penetração da internet domiciliar na época era 50% ou menos e hoje está em mais de 90%.

O Brasil naquela época era comparado à média dos países subdesenvolvidos. Hoje, o Brasil é comparado à média dos países desenvolvidos em termos de penetração do acesso à internet. O Brasil está 10 anos a frente dos outros.

Esse trabalho não se deve somente ao governo. A iniciativa privada fez um grande investimento. Essas políticas permitiram cooperação. Os problemas de agora são outros.

O Brasil não tem problema de infraestrutura em telecomunicações?

Coimbra – Hoje nós estamos em um bom estágio de infraestrutura. Algumas áreas ainda carecem de rede, sobretudo na Amazônia, onde ainda tem espaço para crescer. Mas no restante do Brasil, a questão agora é muito mais de letramento digital, de confiança nas redes, de o consumidor conseguir visualizar o valor do acesso à internet.

Você mencionou que hoje a internet está na casa de 90% dos brasileiros. Mas não é internet fixa, é celular, correto? A penetração da banda larga fixa não precisa crescer mais?

Coimbra – Mais ou menos. Não dá para dizer que é mobile, só dá para dizer que o smartphone é o veículo de acesso à internet. Mas uma parte dessas pessoas acessam a internet de casa com WiFi. Então, é rede fixa, embora o meio de acesso seja o smartphone, porque é o dispositivo que faz mais sentido economicamente para as pessoas.

As famílias de renda mais baixa acabam preterindo o computador. Não estou dizendo que isso é algo bom. Acho que elas têm que ter acesso a outros instrumentos, a outros equipamentos para conseguir extrair mais valor do acesso à internet. Mas é uma decisão economicamente racional

Então o PNBL não é mais necessário?

Coimbra – Hoje tem o Internet Brasil, conectividade de banda larga nas escolas, tem o uso do Fust. Mas a parte de atacado está estruturalmente resolvida, não tem mais o que endereçar.

O que a gente tem agora são medidas na margem. São medidas incrementais para ajustar. Por isso na revisão do PGMC vão ter dois novos mercados relevantes.

Na revisão do PGMC coloca-se o mercado regulado de MVNO e o mercado de espectro secundário. O que esperar para as MVNOs?

Coimbra – Dois regulamentos vão afetar a vida de quem é MVNO. O primeiro é o regulamento de simplificação, que vai mudar o status do MVNO, que passará a ser como o de um SMP.

Mas acho que o maior impacto mesmo vai ser do PGMC. Você tem as ofertas públicas de MVNO em função da venda da Oi Móvel, e isso será preservado.

E sobre o mercado secundário, você acha que finalmente ele vai se movimentar a partir do PGMC?

Coimbra – Espero que sim. E isso tem que ser lido também com outro regulamento, o de uso de espectro, que trata da certificação secundária. Então, independente de como você balanceia esses incentivos, você pode estimular ou não estimular o mercado secundário.

Você preside o CPPP, que reúne ISPs na Anatel, e foi o presidente durante o mandato da Arctel, que reúne reguladores de língua portuguesa. Quais os frutos destes organismos?

Coimbra – No CPPP e na Arctel a gente conseguiu atualizar os temas que são mais relevantes para os provedores e estreitar o diálogo com este segmento. O CPPP funcionou como uma válvula de transmissão de assuntos de provedores para o ambiente geográfico da Arctel.

O CPPP discutiu vários assuntos, de poste a espectro. Em relação à Arctel, a gente conseguiu estreitar a relacionamento com os outros países para fazer que os blocos de países com língua portuguesa juntassem as forças em questões internacionais.

Isso a gente tem feito bem. Acho que a Arctel realmente saiu fortalecida depois da presença do Brasil. Os países estão se falando mais, trocando mais ideias. Os reguladores desses países procuram mais o Brasil.

Ao longo da última década, você viu alguma mudança na relação entre os dois, entre a Agência de Estado e o Poder Executivo?

Coimbra – Costuma-se dizer que a relação entre o Ministério e a Anatel funciona melhor quando o governo de plantão indicou a maior parte dos conselheiros. Para mim, como conselheiro, ou na condição de secretário do Ministério, isso nunca fez diferença. Sempre tive uma boa relação quando era Ministério com a Anatel. E, na Anatel agora, consigo também, pelo bom diálogo do Ministério.

Essa demora nas indicações não é uma dificuldade? Depois que você terminar seu mandato, acha que a agência vai  ficar muito tempo sem dois conselheiros definitivos?

Coimbra – Antes da Lei das Agências, sim, porque não tinha um mecanismo de substituição. Quando faltavam dois conselheiros, você tinha três, e se um conselheiro viajasse, estivesse de férias ou ficasse doente, já não conseguia ter reuniões. Realmente,  a agência ficava muito enfraquecida. Hoje em dia, a gente tem mecanismos de substituição sérios: os conselheiros substitutos das superintendências.

Mas os superintendentes tomarão decisões conflitantes com os conselheiros enquanto estiverem no colegiado?

Coimbra – Claro que não é o ideal, porque o conselheiro com mandato fixo naturalmente tem uma autonomia e uma independência, maiores. Inclusive, uma das críticas à Lei das Agências é, por exemplo, o mecanismo de substituição do presidente da agência. A gente teve uma época que teve presidentes-substitutos, que eram superintendentes.

O superintendente que hoje é subordinado aos conselheiros, no dia seguinte, é chefe dos conselheiros. Chefe administrativo, chefe coordenador, tudo bem. Mas é o presidente do conselho e presidente da agência.

Isso, para um superintendente, é muito ruim. O superintendente que assume essa posição fica numa situação muito delicada.

Você comentou do PNBL como parte de sua passagem no MCom. E do curto mandato na agência, o que fica?

Coimbra – Teve quatro iniciativas. A primeira é o fim das concessões. Estive envolvido nessa questão do começo ao fim.

O caso da Oi, que ainda vai ser colocado para votação, eu assumi ainda no início, quando a gente estava discutindo a votação da metodologia da adaptação.Fui relator da metodologia da adaptação e acompanhei todos os processos. Para mim, foi algo bastante importante ter participado disso e abrir a possibilidade de chegar do outro lado com um final feliz.

O que é um final feliz?

Coimbra – Ou pelo menos um final menos infeliz do que se poderia ter alternativamente… Ter  uma saída que permita que a União não perca por assumir a carga da concessão. Ter uma saída que permita a adaptação com investimentos é um bom final. Pelo menos, um final não tão ruim quanto se poderia ter em qualquer outro cenário.

É aquela discussão que o Churchill falava, que a democracia é o pior regime de governo, exceto todos os outros. Então, é isso. Foi a pior saída, exceto todas as outras.

Mas ainda não acabou. A migração da concessão da Oi vai acontecer como previsto? Alguma preocupação quanto à operacionalização disso?

Coimbra – Não. A partir do momento em que ela está adaptada, ela passa a ter direitos e deveres. Novos direitos, novos deveres. Ela tem o direito de desligar, de tirar tudo, de substituir. Onde tem fixo, ela pode substituir. Ela pode substituir por linha móvel. Então, tem uma série de direitos dela. Mas tem uma série de deveres. Tem que manter o serviço de emergência, ser a Carrier of Last Resort, que é ficar onde não tem competidores. Ela tem que manter o STFC em localidades de 2,3 mil cidades, o que é algo positivo, até 2028.

Até 2028, dá tempo de a Anatel estruturar obrigações nos próximos editais?

Coimbra – No edital do 5G já tem obrigações que garantem a expansão do 4G para várias dessas localidades onde a Oi hoje está e vai sair. Existem grupos de localidades, ainda, que podem ser alvo de obrigações de fazer, do Fust, de novos editais.

A gente chega em 2025 com um cenário em que existem substitutos possíveis, ao menos no horizonte de médio prazo, para essa ampla concessão da Oi?

Coimbra – Sim. Não vai ficar nenhum cliente sem acesso a telefone no Brasil. A ideia é que, até 2028, todos os clientes de voz da Oi continuem com acesso STFC, de voz. Seja por meio das políticas já realizadas, ou seja por meio de novos métodos. Esse é o nosso objetivo.

A CDR, que reúne ONGs e ativistas da sociedade civil organizada, reclama muito dos cálculos e do destino dos bens reversíveis. Por exemplo, aponta que a metodologia definida não traz a real dimensão do preço destes bens, que na realidade passaria de R$ 100 bilhões. Como você vê essas posições?

Coimbra – O cálculo foi feito com base na metodologia e na arbitragem, onde foi feita essa composição. Dizer que eram R$ 100 bilhões de bens não é algo crível. Digamos que você tenha comprado um carro, um Toyota Corolla 2010 por R$ 50 mil. Hoje, em 2024, ele está lá no seu imposto de renda como avaliado em R$ 50 mil. Só que se você for vender no mercado, você vai receber uma fração disso. Então, é um pouco isso.

As empresas compraram aqueles bens cujo valor de aquisição pode estar em torno de R$ 100 bilhões ou mais, um pouquinho. Só que esses bens foram adquiridos há mais de 20 anos, e existem regras contábeis de depreciação.

Essas regras são aplicadas e trazem o que a gente chama de valor residual da aquisição. E o valor de adaptação foi calculado com base nesse valor residual dos bens. Há bens que são utilizados 100% para telefonia, mas há bens que são compartilhados. Há bens que são utilizados para telefonia fixa, para telefonia móvel, para banda larga fixa e assim por diante. Nesses casos, a lei determina que a gente pegue o valor proporcional.

A partir desse cálculo, sentou-se a mesa. A gente tinha isso a receber pela adaptação, e a empresa tinha o valor que ela estimava para receber. Os valores foram contrapostos, a mesa discutiu várias coisas e chegou-se ao resultado desse consenso.

Bom, você falou que há quatro realizações na Anatel. A saída para as concessões de STFC é uma. Quais as outras?

Coimbra – O segundo, eu diria, é a própria Arctel, aumentar muito o relacionamento entre o Brasil e os outros países. Eu estou falando de Portugal, mas, em especial, os países do Sul Global. São Tomé e Príncipe, Guiné Bissau, Timor-Leste, Moçambique, Guiné Equatorial.

Por que é importante ter essa influência como um regulador para outros países?

Coimbra – Vários desses países, eles têm um fluxo comercial limitado com o resto do mundo, exceto Brasil. Ter uma maior presença nesses países significa o fortalecimento das relações tradicionais e comerciais. Isso também fortalece o Brasil no âmbito internacional, nas questões da UIT, mas todos os países [de língua portuguesa], de uma maneira ou outra, saem mais fortes. Esse trabalho dialoga com votar junto.

Tem um exemplo prático que aconteceu em função disso, dessa aproximação?

Coimbra – Na UIT, a gente está com uma maior participação dos países de língua portuguesa internamente na instituição. Tivemos agora também a brasileira [Renata Brazil-David] que foi eleita diretora geral da ITSO. Teve um trabalho forte com todos esses países.

A gente tem visto também provedores de internet levando investimentos aos países africanos. Uma empresa daqui está fazendo streaming lá e planeja implantar rede.

E os outros dois temas?

Coimbra – Os outros dois temas, na verdade, eu só dei continuidade. O tema do combate à pirataria evoluiu bastante. A gente já consegue ver o impacto desse trabalho nos indicadores de satisfação dos clientes das caixinhas de IPTV. As marcas de caixinha pirata estão sendo mais mal avaliadas conforme o tempo passa. Significa que o serviço está ficando pior, o usuário está mais insatisfeito, e com isso, um dia, não mais utilizará aquele serviço pirata. Isso é um ótimo indicador do trabalho que a Anatel tem feito.

O que ainda pode ser feito?

Coimbra – A gente vai agora partir para uma automação desse processo. Em primeiro lugar, o disparo das ordens de bloqueio para as operadoras e provedores. E depois, vamos automatizar o próprio bloqueio dos IPs. Por fim, vamos automatizar a varredura desses IPs utilizados por essas caixinhas.

Vocês vão automatizar o disparo das ordens de bloqueio? Como assim?

Coimbra – Hoje as ordens de bloqueio das caixinhas piratas são disparadas de forma manual. A gente faz um plantão e manda as ordens para as operadoras. As operadoras recebem isso e implantam o bloqueio do IP.

O que a gente vai fazer nesse momento é que essas ordens deixam de ser manuais, elas têm um sistema comum em que todo mundo [operadoras e provedores] vai ao mesmo tempo ter acesso ao sistema.

A segunda etapa, que a gente precisa ainda avaliar pois tem empresas que querem, e outras que são mais receosas, é permitir que a Anatel tenha acesso aos roteadores core para fazer uma ordem direta no roteador. Nestes casos, essas empresas não precisam ter alguém de plantão para receber a ordem e implantar. E a terceira automação será a varredura automática por essas caixinhas.

A segunda etapa que falou, a Anatel vai acessar diretamente o core das empresas para poder bloquear os IPs utilizados para pirataria?

Coimbra – As empresas que entenderem conveniente podem nos dar acesso limitado, não acesso pleno, para realizamos estes bloqueios diretamente de equipamentos não certificados e não homologados. Acesso limitado para conseguir realizar unicamente esses bloqueios remotamente. Seria uma espécie de lacre virtual.

Então seria voluntário. A operadora ou provedor que não quiser, não terá que abrir a rede para a Anatel agir dessa forma?

Coimbra – Sim, voluntário.

Isso está em que fase? Falta muito para ser implementado?

Coimbra – A gente ainda está em teste com algumas empresas. Então, vai levar um tempo até acontecer de fato.

Um tempo é quanto tempo?

Coimbra – Não sei dizer. Nossa equipe de fiscalização está realizando testes com algumas operadoras, não posso dizer com quais.

Tem alguém fazendo assim em outros países?

Coimbra – Não conheço. Talvez na Espanha e em Portugal, que são países mais avançados nesse combate. Mas eu não tenho essa informação. É uma infraestrutura crítica, então tem que ser feito com todo cuidado, com escopo limitado. Por isso tem que ter a adesão da empresa que se sentir confortável.

E qual o último ponto de sua passagem pela Anatel?

Coimbra – É o combate às chamadas abusivas. Acho inclusive que esse é o aspecto que a gente conseguiu avançar mais, tivemos grande redução do volume de chamadas. Além do 0303, tem o stir shaken, que recentemente entrou em operação.

No caso do 0303, temos uma responsabilização de maus usuários quanto ao serviço regulado pela Anatel. Você vê no futuro, então, a Anatel emplacando esse argumento para conseguir regular as big techs? Você vê a Anatel inserida de fato na regulação das plataformas digitais no Brasil?

Coimbra – Hoje a Anatel não regula as plataformas digitais em si. A Anatel regula a interface dessas plataformas com as redes de telecomunicações. Isso nos aspectos econômicos e nos aspectos operacionais.

O que também está sendo discutido são os direitos e deveres dos clientes usuários. Mas dizer que a gente vai regular as plataformas digitais parece uma visão, às vezes, excessivamente extensiva do papel da Anatel.

A Anatel está aqui fazendo o trabalho dela. A gente sempre vai estar à disposição do País, caso o País queira aumentar a competência da Anatel para fazer algo que ela não faz hoje. E a Anatel tem expertise para isso. Mas é uma decisão de política pública. Compete ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo atribuir a alguém alguma competência.

Agora, não dá para dizer que não existem regras e que não haja órgãos que atuem hoje no manejo dessas entidades. Como eu já falei, no aspecto econômico, você tem uma atuação forte do Cade, tem o Judiciário.

Qual o futuro da Anatel na sua avaliação?

Coimbra – Acredito que a Anatel tem se aproximado mais do setor audiovisual. Quando eu falo do setor audiovisual, no sentido amplo, da plataforma digital, radiodifusão, plataformas sob demanda e assim por diante.

A Anatel, certamente, vai ter um papel maior. Hoje, a gente recebe as ordens judiciais e converte em condutas técnicas a serem adotadas pelos operadores para que as ordens sejam cumpridas. Temos agora as bets – à Anatel foi atribuída a fiscalização já por lei. Então, o ministério da Fazenda, que é responsável pela regulação desse ambiente de bets, já está acionando a Anatel para fazer esse papel. Então, naturalmente, a Anatel vai ter alguma atuação nesse mercado.

O presidente da Anatel, Carlos Baigorri, tem defendido o fim da Norma 4. Para alguns provedores, isso abrirá a porta para a agência regular o ambiente digital. Como você enxerga a questão?

Coimbra – Eu entendo que essa visão [de alguns provedores] talvez seja uma visão um pouco espetaculosa do risco, de a Anatel assumir um papel que ela não tem.

Legalmente, ainda que não se remova totalmente a norma 4, e essa uma discussão ainda acontecendo aqui na agência, tem pontos que merecem ser revisitados. Por exemplo, a norma 4  prevê o provedor de serviço de conexão à internet. Isso, hoje em dia, no Brasil, não faz mais sentido pois a própria operadora de telecomunicações faz também o serviço de conexão. Determinar que esse serviço seja feito por outra entidade, obrigatoriamente, não faz mais sentido. Nesse ponto, a norma tem que ser revista.

Agora, dizer que isso vai permitir a regulação do serviço de valor adicionado? A Anatel não controla nada da operação da internet. O que se está discutindo, basicamente, é o serviço de autenticação, que é a atribuição de IP, já detido pelo operador de telecomunicações, ao usuário. Não me parece que isso signifique abrir uma porta para que a Anatel, agora, atue como um rotweiller sem coleira.

Fonte: Telesintese

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